Paulo Phillipe Moreira
Preceptor do Setor de Córnea e Sócio dos Oculistas Associados do Rio de Janeiro/ CEPOA
Preceptor do Setor de Córnea do Hospital Federal de Bonsucesso
Coordenador do setor de córnea do Hospital do Olho de Duque de Caxias
Outubro 2019

 

INTRODUÇÃO

O Simpósio Internacional do BOS, neste ano teve como tema aulas e discussões com atualizações em Córnea, Catarata e Refrativa. Contou com apresentações de médicos oftalmologistas Brasileiros e internacionais. O presidente de honra foi o mineiro Dr Fernando C. Trindade. A comissão científica foi composta pela Dra Adriana Forseto, Dra Aline Moriyama,e Dr Nicolas Cesário. Os Palestrantes Internacionais convidados foram o Dr Jod Mehta, Dr Luis Izquierdo, Dr Mark Terry e o Dr Roberto Pineda.

 

SUPERFÍCIE OCULAR

Muito foi discutido sobre formas diagnósticas do Olho Seco, como triagem com questionários já validados, alem do uso de biomarcadores como MMP-9 e a mensuração da osmolaridade. Estes foram recentemente utilizados para montar um algoritmo, na ASCRS para diagnóstico e tratamento da Doença do Olho Seco no pré-operatório de cirurgia ocular. Ainda classificamos o olho seco em por deficiência aquosa, evaporativo ( Doença da Glândula de Meibomio – DGM), ou misto. Comentou-se sobre o Keratograph da Oculus. Os principais tratamentos para DGM citados foram: Calor e Massagem, redução dos microorganismos comensais da pálpebra com esquemas de Tetraciclínas ou Macrolídeos orais e/ou tópicos, estes também teriam efeitos anti-inflamatórios sobre a pálpebra. O Demodex ainda tem sua importância na Doença do Olho Seco (DOS)e seu tratamento pode ser realizado com limpeza palpebral com xampu de Tea Tree ou com ivermectina Oral. Para DOS moderada foi sugerido, conforme o DEWS II, o uso de imunomoduladores como Ciclosporina A, Tacrolimus e Corticóides de baixa e alta penetração. A suplementação de Omega 3 também foi citada. O uso de aparelhos baseados em luz pulsada demonstraram bons resultados em pacientes com telangiectasia palpebral auxiliando de maneira interessante na DGM associada a telangiectasia.

O Dr José Alvaro, que participou do último consenso da TFOS sobre olho seco, DEWS II, apresentou aula sobre dor neuropática. As principais formas de tratamento citadas foram o Corticoide e o uso de lágrimas artificiais (nível de evidencia 1), lente de contato terapêutica ( nível 2) , uso de membrana amniótica crio-preservada e soro autólogo a 20% ( nível 3, e 3 e 4, respectivamente), alem de , obviamente, acompanhamento com neurologista ou anestesista especializado em clínica da dor para a prescrição drogas orais de diferentes classes ( Antidepressivos, Anticonvulsivantes, e analgésicos).

 

INFECÇÕES

A Dra Maria Emilia Xavier trouxe as diretrizes preconizadas pela AAO: como o uso de Fluoroquinolonas ou Aminoglicosideos + Cefalosporinas ou Aminoglicosídeos + Vancomicina para ceratite infecciosa bacteriana. No caso de ceratite herpética o Aciclovir oral ou tópico, o Famciclovir oral, o Valaciclovir e o Valganciclovir são opções. Para infecções fúngicas a Natamicina, a Anfotericina, alem dos antibióticos orais Floconazol, Itraconazol e voriconazol. Para Acanthamoeba, o uso de clorexidina +PHMB ou Clorexidina + Brolene ou Neomicina. Uma revisão sistemática de 2014 demonstrada em uma das aulas não apresentou evidência quanto a eficácia e segurança do uso de corticoide tópico em ceratite bacteriana. Desta forma sugeriu-se não utilizar o corticoide em casos onde não foi realizada cultura antes do tratamento, infecções aparentemente fúngicas ou por acanthamoeba, sem o uso de antibiótico de amplo espectro, casos sem evidencia de resposta clínica com o tratamento empregado (diminuição da dor, infiltrar e hipópio), nem em afinamentos e pré-perfurações. Em ceratite Herpética, não usar e ceratite epitelial infecciosa, e usar em ceratite estromal imune, ceratite neurotrófica, estromal necrotizante (Oral/sistemico) e endotelite, Iridocilite, e trabeculite (oral/sistemico).
Foram apresentadas novas evidencias do Pack-Crosslinking em uma metaanalise de 2016 concluindo que este parece promissor no tratamento da ceratite infecciosa, excluindo-se infecção viral. Houve uma cicatrização média de 87% nos casos de ceratite bacteriana, fungo e acanta, porem novos estudos são necessários. Falou-se ainda de recobrimento conjuntiva. Indicou-se que não o usasse quando a infeção está ativa, nem em perfurações e/ou pré-perfurações.

A Dra Aline Moriyama pode demonstrar os desafios do combate a infecção em transplantes lamelares.

O Dr Renato Machado trouxe um interessante caso de ceratite infecciosa por gonococo em um paciente dependente químico.

O Dr Jod Metha pode nos mostrar sua experiência com a indicação de transplante lamelar anterior manual em ceratites infecciosas.

O Dr Ricardo Nosé pode nos mostrar diferentes imagens de Microscopia Confocal para a identificação de patógenos na ceratite infecciosa, dando atenção especial a ceratite fúngica e ceratite por acanthamoeba, que apresentam melhor sensibilidade e especificidade perante as outras.

 

TRANSPLANTES

O Dr José Álvaro comentou sobre diferentes técnicas para diminuir a chance de rejeição em transplantes, dentre eles, a cauterização de neovascularização prévia com bisturi monopolar, o uso de quimioterápico anti-vegf, o uso de tacrolimus, dentre outros.
O Dr Roberto Pineda trouxe o cenário global do uso de ceratopróteses.
O Dr Mark Terry pode nos contar a sua experiência em transplantes em crianças tanto com o penetrante quanto com lamelares. Para Peters as taxas de falência primária foi de 66%, de catarata 21%, DR 16%, e de atrofia bulbar 10% com um n de 72 olhos operados. As cirurgias em crianças são especialmente difíceis devido a olhos pequenos, elasticidade aumentada, formação extrema de fibrina, prolapso e até mesmo extrusão da lente, adesão irido-corneana, desconfiguração da câmara anterior, e anormalidades neurológicas e de anexos. Aconselhou que devemos diminuir o tempo de exposição a céu aberto.
No Pós operatório sugeriu, corticoide subconjuntival na cirurgia, iniciar corticoide de 1/1h por 3 dias com posterior desmame lento, cicloplegia com atropina por 2 semanas, protetor acrílico por 3 semanas e depois óculos de proteção, e protetor de metal durante a noite por 3 meses. Ficar atento para a primeira oportunidade de tratamento da ambliopia. Pela rápida cicatrização da criança ele aconselhou frequentes exames sob narcose nos dois primeiros meses para a retirada de pontos frouxos e acompanhar o pós-operatório. Falou ainda de Dalk para pacientes com ceratocone e Autismo e Sd de Down onde deveríamos fazer todo o possível para manter a técnica lamelar manualmente se preciso, para “nunca”converter para PK. Também falou de Dmek/Dsaek em CHED.

O dr Roberto Pineda apresentou um caso onde realiza a reinervação da córnea de um paciente que apresenta ceratopatia neurotrófica. O faz com um enxerto de nervo Sural, nervo puramente sensitivo da região do tornozelo, ao nervo Grande Auricular Ipsilateral. A inserção na córnea é realizada por túneis escareais para cada fascículo separado do nervo enxertado. O resultado cirúrgico permite a recuperação da sensibilidade na córnea alem de possibilitar um novo suporte neurotrófico ao epitélio, facilitando inclusive a epitelização após procedimento cirúrgico, como transplante.

O Dr Lisandro Sakata analisou a relação entre transplante de córnea e glaucoma e nos guiou nas principais formas de tratamento. Os principais mecanismos de desenvolvimento de Glaucoma citados foram a formação de Sinéquias Anteriores Periféricas, a distorção ou compressão do ângulo, e o uso de corticoides, sendo mais frequente em pacientes que realizaram transplante por ceratopatia bolhosa do pseudofácico ou do afácico, ceratite infecciosa, perfuração corneana, síndrome ICE, que aqueles que apresentavam ceratocone ou D. de fuchs. O glaucoma é considerado um dos mais importantes fatores de risco para a falência do transplante, chegando a um aumento de 12x no risco de falência primária, por volta de 50% dos transplantes vão a falência em 5 anos após um implante de dispositivo de drenagem. Alem disso temos a dificuldade de mensurar a pressão em olhos que passaram por transplante e para evitar erros a tonometria bi-digital pode ajudar. Para o tratamento as principais dicas foram retirar o corticoide assim que possível, ponderar o risco/beneficio para instituir drogas, dando preferência a Beta-bloqueadores e Alfa-Agonistas e até mesmo Inibidores da Anidrase Carbônica frente a Prostaglandina e a Pilocarpina que podem levar a inflamação e perda da barreira hemato-aquosa. A realização de Trabeculoplastia a laser pode ser difícil no pós-pk e em córneas com contagem limítrofe podem ser fator de risco para falência. O tratamento com TREC quando necessário é o padrão e pode representar 15 a 22% de falência após sua realização. Já o implante de dispositivo de drenagem, que frequentemente é indicado, pode levar a 20-74% de falência secundária do enxerto. Em relação ao Dsaek 28 a 54% pode apresentar Hipertensão com 0.3 a 29% necessitando uma cirurgia de glaucoma, no Dalk, pode-se encontrar 0 a 17% de glaucoma, e no DMEK 0 a 24% de Hipertensão ocular evoluindo para 2.7% de Glaucoma, sendo que 1/3 destes evoluem para cirurgia. Por fim demonstrou uma comparação onde Olhos com Glaucoma prévio apresentaram taxas altas de falência no DSEK frente ao PK, e paciente com TREC faliram mais no DSEK que no PK. Em relação a MIGS em transplantes, ainda não há evidências.

O Dr Victor Cvintal explicou sobre as novas técnicas de glaucoma que atuam sobre o trabeculado. Estas necessitam de que os coletores não estejam atrofiados. Ao realizar a goniotomia, o sangramento é um sinal de que os coletores estão pérvios.

TRANSPLANTES ENDOTELIAIS

O Dr Nicolas discorreu sobre as diferentes técnicas ao longo de 10 anos de DMEK no BOS.
O Dr Victor Anthunes demonstrou fluxograma do Dr Frederico Guerra, onde se o FUCHS é inicial e o paciente apresenta catarata, devemos indicar somente Faco, se é intermediário com catarata, Faco + TX, , e se é avançado e não tiver catarata, mas tiver mais que 50 anos, FACO + TX.

Dr Jod Mehta versou sobre as diferentes técnicas para crescimento de endotélio in vitro e transplante.

 

CATARATA

O Dr Milton Yogi trouxe as ultimas novidades do ESCRS para soluções presbiópicas: Lançamentos de lentes EDOFS Refrativas, já que no Brasil estamos acostumados com lentes EDOF difrativas como a Symphony. Eyhance e Sinergy da Tecnis, Vivity da Alcon e a Isopure da Physiol são refrativas, com distribuição segmentar dos campos de longe e perto, geralmente com transição. A Physiol está lançando a tecnologia Isofocal, que é uma tecnologia de aberração esférica modulada tanto na face anterior e posterior. A medcontour está lançando no Brasil uma lente suplementar, de sulco, multifocal, com o intuito de realizar uma multifocalidade reversível. A Johnson lançou a Synergy (ZMB bifocal com correção da aberração cromática) que melhora a curva de defocus entre longe e perto.
Nas trifocais, a Physiol lançou a Triumf que é uma evolução da Finevision convencional, que também tem correção da aberração cromática e o design não é apodizado, alem de priorizar a visão de perto. Essa lente não usa a ordem zero de dispersão.
Mostrou ainda uma técnica que faz uma máscara estenopeica para dar efeito EDOF em qualquer lente previamente implantada com laser de femto-segundo, alem de outra técnica que consegue mudar até 5 dioptrias de grau de lente pré implantada, e até mesmo criar um efeito multifocal, ou reverte-lo.
As lente acomodativas ainda estão em estudo, por exemplo a lente Juvene já apresenta casos de 5 anos de implante.
A tecnis Eyhance da Johnson parece ser uma lente de modulação da aberração esférica central.
A Vivity da alcon vem com um conceito novo que segundo a fabricante é uma EDOF que não é nem difrativa e nem refrativa. A ANSI define como EDOF lentes que apresentam profundidade de foco >0,5D maior que uma monofocal controle, DCIVA superior as monologais, DCIVA que atingem 0,2 logmar ou maior em 50% dos olhos, BCDVA não inferior a monofocal. A alcon informa que a lente tem uma tecnologia de Wavefront shaping com duas superfícies de transição. Nesta lente a luz não é dividida. Efeito de fase-masking? O PSF dela é bem puntiforme, comparável a de uma lente monofocal.

 

Na segunda Parte do Resumo teremos:
CERATOCONE
TRANSPLANTE LAMELAR ANTERIOR
CIRURGIA REFRATIVA