Dr Anderson de Lima Martins
Especialista em Córnea e Cirurgia Refrativa pelo HOS/BOS
Colaborador dos Setores de Córnea e Catarata do HOS/BOS

Autor: Dr. Anderson de Lima Martins

Co-autores: Co-autores: Dra. Adriana dos Santos Forseto, Dr. Henrique Malaquias Possebom, Dra. Lycia Maria Martins Pinho Pedral Sampaio, Dr. Nicolas Cesário Pereira

Eye Channel: O que é a Camada de Bowman?

Dr Anderson Martins: A camada de Bowman é uma porção acelular anterior da córnea, localizada logo abaixo do epitélio, que mede cerca de 10 micrômetros, sendo extremamente resistente devido à disposição das suas fibras colágenas.


Eye Channel: O que é, e como é feito, o transplante de camada de Bowman?

Dr Anderson Martins: O transplante de camada de Bowman é o implante de uma fina lamela contendo a camada de Bowman dentro de uma bolsa intraestromal na córnea do olho receptor. Foi introduzido pelo grupo europeu liderado por Dr. Gerrit R. J. Melles, para evitar a progressão da ectasia corneana nos olhos com ceratocone avançado, preservando a visão com as lentes de contato e possibilitando que os transplantes tradicionais sejam adiados ou evitados.

Acredita-se que nos ceratocones avançados ocorra progressão por lesões na camada de Bowman, como microlesões pelo ato de coçar, associadas a fatores pro-inflamatórios e a inserção de uma camada de Bowman sadia seria capaz de parar a progressão nesses casos. O grupo já possui sete anos de seguimento e demonstrou bons resultados.


Eye Channel: Quais são as indicações para um transplante de Bowman?

Dr Anderson Martins: Os tratamentos clássicos principais para ceratocone avançado são o transplante lamelar anterior profundo (DALK – deep anterior lamellar keratoplasty) ou penetrante (PK – penetrating keratoplasty). Problemas como cicatrização de feridas, glaucoma, progressão da doença no rebordo do receptor, reação de aloenxertos e astigmatismo irregular persistente têm comprometido os resultados dos tratamentos convencionais. Além disso, os tratamentos alternativos menos invasivos como o Crosslinking, com luz ultravioleta, e implante de anel intracorneano têm suas indicações originalmente limitadas para os olhos com doença leve a moderada.

Dessa forma, o transplante da camada de Bowman pode ser indicado para os pacientes com ectasia avançada, sem opacidades importantes no eixo e que ultrapassem os limites de curvatura e/ou espessura para os tratamentos atualmente descritos como alternativos ao transplante de córnea como Anel intracorneano e Crosslinking, postergando ou evitando, assim, os transplantes como DALK e PK.


Eye Channel: Como foi esse projeto piloto premiado no BRASCS? Como foi o caso Clínico?

Dr Anderson Martins: Recebemos em nosso serviço um paciente do sexo masculino, com 12 (doze) anos de idade, encaminhado para avaliação de transplante de córnea. Na admissão apresentava acuidade visual com correção de conta dedos a 2 metros em olho direito (OD) e conta dedos a 1,5 metro em olho esquerdo (OE). À biomicroscopia anterior (figura 1) ambas as córneas eram muito ectásicas e com opacidades estromais anteriores discretas, principalmente em OE.

Esse paciente já excedia os limites de espessura e curvatura tanto para anel como para Crosslinking. Em OD conseguimos, com dificuldade, uma adaptação em “piggy back” e visão de 20/200, porém em OE a lente não parava, inclusive a de apoio escleral e optamos por fazer um transplante de Bowman em seu olho esquerdo ao invés de um transplante convencional.

Tanto o preparo do doador como o “pocket” para inserção da lamela no receptor foram feitos com o laser de femtossegundo. A espessura aproximada da lamela doada foi de 40µm.

O paciente demonstrou redução da curvatura corneana de cerca de 20 dioptrias, aumento da paquimetria mínima e uma melhora progressiva da acuidade visual, tendo atingido 20/40 parcial no sétimo mês de pós-operatório com lente de contato, agora com boa adaptação.

O outro olho, com ceratocone menos avançado e que também estava com planejamento de fazer transplante de Bowman, infelizmente teve hidropsia quatro meses após o procedimento do primeiro olho.

Segue o link da aula que também foi apresentada no ASCRS: http://ascrs.org/clinical-education/2019ondemand?videoId=6033480326001


Eye Channel: Como é o protocolo do Banco de Olhos de Sorocaba (BOS) para o transplante de Bowman?

Dr Anderson Martins: Apesar dos bons resultados, o grupo europeu relatou cerca de 30% de perda do botão corneano durante o preparo por rasgos no enxerto durante o preparo manual, mesmo nas mãos de cirurgiões experientes.

Sabemos que no Brasil, apesar dos grandes avanços, ainda vivemos uma escassez no cenário das doações de tecidos oculares e essa taxa seria alta para realidade das nossas filas de transplantes de córnea. No protocolo do nosso serviço, decidimos então realizar a cirurgia de transplante de Bowman com Laser de femtossegundo para preparo de botão e confecção de “pocket” estromal.

Os pacientes estão sendo acompanhados de perto e esperamos divulgar bons resultados em breve.


Eye Channel: O que você pensa sobre o futuro dessa técnica?

Dr Anderson Martins: O transplante da Camada de Bowman com laser de Femtossegundo surge como uma técnica inovadora, promissora e pouco invasiva. Comparada à técnica manual, apresenta menor risco de perda do enxerto, além ter uma maior reprodutibilidade tanto no preparo do enxerto quanto na bolsa receptora.

Mesmo necessitando de mais estudos para elucidação de seus resultados, é indubitavelmente uma esperança adicional nos casos de ceratocone avançado, principalmente para os pacientes que, apesar de estarem adaptados a lente de contato, apresentam progressão e não podem realizar Crosslinking devido a possuírem uma córnea muito afinada.  Em nosso ponto de vista, essa é a principal indicação atual para o transplante de Bowman.

Através do nosso protocolo estamos esperançosos com um possível avanço no tratamento do ceratocone.